Escrevi, recentemente, um artigo para o Instituto dos Advogados de São Paulo falando um pouco sobre essa nova forma de se lidar com o litígio: a advocacia colaborativa. Diferentemente da conciliação e da mediação, onde os operadores destas técnicas atuam da forma mais imparcial possível, as práticas colaborativas aparecem através de operadores que atuam de forma parcial, porém colaborativa. Há quem duvide que isto seja possível, mas, neste artigo, dou exemplos claros da medida em que isto é possível.
A idéia é simples: o advogado, empenha-se, de verdade, na defesa dos reais interesses de seu cliente, mas passando a focar seus esforços exclusivamente na facilitação da construção de acordos, preservando as famílias e renunciando, expressamente, a eventuais litígios relativos àquela demanda. A partir da assinatura expressa de uma cláusula de não litigância, os advogados, impedidos de ir à juízo naquela demanda, se sentem livres de ameaças e mais confortáveis no sentido de propor uma negociação efetivamente colaborativa, onde toda a equipe envolvida, incluindo as partes, envida seus melhores esforços, além de trocar informações e documentos, sempre com o intuito de buscar um ajuste viável, criativo e de benefício mútuo.
O processo colaborativo, que pode, inclusive, ser conduzido por uma equipe interdisciplinar, envolvendo terapeutas e financistas, se necessário, se desenrola através de reuniões, primeiramente entre os clientes e seus respectivos advogados e/ou profissionais que os assessoram, seguidas de reuniões que podem ocorrer entre os diversos profissionais envolvidos com ou sem as partes, caminhando, no ritmo que cada caso exige e de acordo com a complexidade das questões envolvidas. Alcançando-se o acordo, os advogados redigem a minuta e dão continuidade ao processo de homologação nas vias competentes, finalizando, assim o processo colaborativo. É possível e provável que se inclua, nesse tipo de processo, um acompanhamento posterior ao acordo, por parte dos advogados e outros profissionais envolvidos, por exemplo no sentido de assessorar seus clientes no cumprimento dos pontos acordados, tudo sempre tendo como objetivo final o cuidado com a família e os interesses ali envolvidos.
É claro que este tipo de processo não cabe para todo e qualquer tipo de cliente em litígio, não sendo adequado nos casos onde uma das partes tem um perfil fraudador ou que alguma ou algumas dessas características mencionadas só venham a ser percebidas no interregno do processo, caso em que cabe a qualquer um dos profissionais ali envolvidos denunciar a questão, o que motivaria o fim daquele processo e a retirada de todos os profissionais nele envolvidos.
PARCIALIDADE E COLABORAÇÃO: UMA PARCERIA POSSÍVEL? Este último parágrafo é um claro exemplo de uma atitude colaborativa que pode e deve ser tomada do ponto de vista colaborativo do processo, inclusive pelo advogado em relação a parte que ele próprio representa, caso onde a colaboratividade ficaria comprometida caso o advogado insistisse, excessivamente, em sua parcialidade. Assim, diante de claras evidências de uma atitude desleal ou antiética de seu cliente, de forma a comprometer o diálogo ou as negociações que estão sendo empreendidas, cabe ao advogado tentar corrigir tais condutas e, no caso dessa tentativa fracassar, é possível que esse último tenha que recorrer ao extremo de renunciar seu mandato e interromper o processo colaborativo, com base nesta justificativa. A parcialidade e a colaboratividade podem andar juntas, lado a lado, partindo da premissa que o advogado vai atuar sempre de modo a respeitar e defender os interesses de seu cliente, porém, levando-se em conta que a maneira de negociação entre as partes deve atender aos princípios estabelecidos pelo processo colaborativo.
Outro ponto importante a observar, neste tocante, é a questão do sigilo quanto a determinados conteúdos revelados pela parte a seu advogado. Apesar do processo colaborativo primar pelo diálogo aberto e troca de informações na equipe, a colaboratividade deve ceder lugar à parcialidade, caso o cliente demande sigilo com relação a um ou outro conteúdo ali revelado. O mesmo pode ser dito em relação aos coaches e quaisquer outros profissionais que sejam membros daquela equipe contratada.
O processo colaborativo, no que diz respeito ao seu formato, privilegia, também, o trabalho em equipe, outro de seus pontos fortes, uma vez que as habilidades de cada especialidade envolvida (advocacia, profissional de saúde, profissional financeiro) devem se somar no esforço de recolher e lidar com informações que vão compor o conteúdo a ser negociado. Cabe aos coaches trabalhar as informações das partes do ponto de vista do peso emocional daquele conteúdo trazido, da melhoria do diálogo e facilitação das comunicações ali travadas, das esperanças e valores que devem ser respeitados, das questões parentais que necessitam ser tratadas, entre outras. Aos consultores financeiros reserva-se a preparação e análise de planilhas, análise de bens e dívidas, receitas e despesas, impostos e taxas. Dos advogados é esperado que administrem necessidades e interesses de seus respectivos clientes, desafios, objetivos, visão de futuro, tudo isto traduzido em interesses e prioridades concretas que as partes devem compreender e apreciar. Nesse sentido, cabe a cada um dos profissionais membros da equipe, incluindo os advogados, respeitar o espaço e o tempo necessários de cada um desses especialistas dentro do processo como um todo. Mais um exemplo onde a parcialidade convive, de forma harmoniosa, com a colaboratividade.
Esse formato possibilita, também, aos seus participantes, o acesso aos diversos conteúdos e questões envolvidas naquele processo, reduzindo mal entendidos e suspeitas, o que, consequentemente, facilita a construção do consenso e a tomada de decisões bem informadas e calcadas na confiança, já que a energia de todos envolvidos, partes e profissionais, pode ser focada em desenvolver opções de soluções. Cabe, ainda, ao advogado, enquanto profissional parcial, ao lado de seu representado, exercer seu papel de instruir este último acerca de seus deveres e direitos legais, esclarecendo e conscientizando este cliente, inclusive em relação às demandas e necessidades da outra parte envolvida, tanto no que diz respeito aos aspectos legais, quanto negociais. O aspecto colaborativo aparece, neste quesito, quando esse mesmo advogado, ao cumprir sua função, leva em conta o bem estar da família como um todo, convidando seu assistido a compartilhar deste mesmo olhar.
Outra atividade que mistura a parcialidade e a colaboratividade do advogado diz respeito a ajudar e “educar” seus clientes a reunir, esclarecer e apresentar as informações que sejam essenciais ao processo colaborativo, fornecendo-lhes informações, diretrizes legais e negociais para tanto. É também papel do advogado se assegurar que seu cliente esteja seguro e confortável com as informações e documentos fornecidos pela outra parte ou por qualquer membro da equipe, uma vez que um mal entendido ou informação equivocada pode comprometer as negociações em andamento.
O advogado colaborativo é parcial em instruir seu cliente acerca de seus direitos e deveres legais, mas deve ser colaborativo a ponto de colocar a lei como uma ferramenta de análise para as partes, protagonistas do conflito, e não como uma moldura que enquadre e venha a engessar o processo como um todo, uma vez que as decisões são embasadas em vários aspectos e não somente nos parâmetros legais. Contudo, é importante que a parte saiba o que ele poderia obter em uma possível batalha judicial, até como forma de direcionar suas negociações com a outra parte.
Outro problema que o advogado colaborativo pode enfrentar, de forma corriqueira, ao longo do processo, é o fato de que seu cliente, em algum ou alguns momentos, por insegurança ou qualquer outro motivo, pode colocar em xeque sua parcialidade e seu efetivo apoio a ele, quando o advogado se mostra extremamente colaborativo. É muito comum nós advogados ouvirmos, dentro desse tipo de trabalho proposto: “Você está muito preocupado com o que a outra parte sente ou pensa. Será que você, realmente está defendendo meus interesses?”
Outro momento delicado é a efetiva abertura das informações pela parte no processo, e especialmente no quesito das informações financeiras, momento no qual a colaboratividade é estampada e exigida. Esses momentos precisam ser muito bem conduzidos pelos advogados, que são encarregados de lembrar aos seus clientes que o medo deve ceder seu lugar à esperança, com argumentos fortes e contundentes, e que sua colaboratividade, em última análise, acabará por trazer vantagens e beneficiar os interesses de cada uma das partes envolvidas. Não há como se negar que tal tarefa é tão árdua, quanto espinhosa, mas extremamente necessária para um entendimento pleno e consequente aderência das partes ao processo colaborativo.
Outra importante atitude em situações de impasse é confortar nosso representado no sentido de que nós advogados seremos sempre parciais, mesmo que colaborativos, e que sempre estaremos ao lado de nossos clientes, apoiando-os desde o recolhimento e análise das informações, até a procura de soluções no final. Trata-se de uma mudança cultural paradigmática difícil e lenta, com a qual o advogado deve se comprometer e buscar, sob pena de nunca alcançar sucesso em relação à proposta colaborativa, já que ela se encerraria sempre nesses momentos delicados e sensíveis.
Autora: Mônica Gama